sexta-feira, 13 de abril de 2012

the burning life


nunca tinha entendido muito bem esse fenómeno de perder coisas quando nos mudamos. temos a certeza de que encaixotámos tudo. embrulhámos a vida em jornal, fita adesiva e plástico com bolhas de ar que não tinha bolhas de ar porque as rebentámos todas antes de embrulhar nele a nossa vida. a casa ficou vazia. as caixas viajaram fechadas e todas viajaram para onde era suposto viajar.
e tantas coisas não chegam ao destino. perderam-se pelo caminho sem que se entenda exactamente como. já tinha ouvido falar em coisas que desaparecem em mudanças mas nunca tinha acreditado. se calhar é também assim que crescemos. vamos perdendo coisas por aí e arranjando outras que as substituem.
não é um processo universal, isso sei. só comecei a perder coisas na quarta mudança, terceira casa. agora tenho coisas mais importantes. mais livros, mais discos, mais fotografias. mas ligo menos a coisas e aprendi a transformar coisas em memórias e li num livro qualquer daqueles das secções de esoterismo que as coisas têm energia e devem ser renovadas ou são como água estagnada. não sei se era bem isto, mas pelos vistos acreditei.
antes tinha menos coisas mas ligava-lhes muito.
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pensei nisto há uns dias enquanto conversava com um amigo e lhe dizia que sigo há muito o projecto the burning house. a ideia é pensar no que salvaríamos da nossa casa numa situação de incêndio. eu gosto de coisas e acho tudo aquilo fantástico. as fotos tão perfeitas com tudo tão alinhado, as máquinas fotográficas de colecção, os cadernos cheios de memórias, os livros preferidos, os telemóveis ou uma jóia herdada ou oferecida. mas a verdade é que penso, e acho que não levava nada.
penso na caixa com as cartas de amor e os postais das viagens. no vestido preferido. nos moleskines e cadernos feitos por mim e cheios de segredos. nos all star e pelo menos num dos casacos adidas pretos. nas fotografias antigas e nos presentes do meu irmão. mas a verdade é que sairia de casa sem nada. são coisas. mais ou menos funcionais. mais ou menos emocionais. mais ou menos únicas. mas coisas.
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mas depois quando viajo, é comum brincarem comigo por causa da quantidade de coisas que levo. e talvez pareça contraditório mas no fundo não é. uma viagem pode ter tanto de perda quanto um incêndio. e uma perda pode ser apenas um novo começo. e se eu não salvava nada da minha casa, ainda que possa não parecer é pela mesma razão que levo comigo as coisas necessárias para começar do zero noutro sítio. porque tal como sairia de casa durante o incêndio, quando viajo penso sempre em não voltar. penso no que preciso se a minha vida estivesse a arder. e o que eu salvava é sempre aquilo de que vou à procura.

3 comentários:

  1. Acho que se fosses um mês para um sitio que não conhecesses ninguém, uma mochila era bem capaz de te bastar. E o I-phone, o I-pad, e o resto da familia dos I's.
    Se fores uma semana para outro local qualquer, onde conheças pelo menos uma pessoa, lá vai a catrefada de tralha numa mala que pesa mais que tu.

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  2. tu me conheces e bem meu querido! a lady F sempre lady, nunca se sabe o que pode acontecer quando se vai para algum lado em que se conhece "pelo menos uma pessoa" :)

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