domingo, 13 de fevereiro de 2011


Sabes, avó? Se estou aqui hoje, a escrever, se fiz disso uma das minhas formas preferidas de ocupar o tempo livre, se não vivo sem escrever tudo o que me passa pela cabeça e pelo coração, a culpa é, em grande parte, tua. O gosto pela escrita foste tu que mo pegaste, foste tu que me aguçaste o ouvido para a harmonia das palavras, quando me sentavas ao teu colo durante tardes inteiras e ficávamos ali a ler poemas e, melhor ainda, a escrevê-los. Lembro-me de fazer jogos de rimas contigo, de estar tão pequena ao teu colo e tão feliz por tu me deixares ser parte dessa tarefa tão importante que era escrever a tua vida em poesia. Lembro-me de não conseguir evitar as lágrimas quando, anos mais tarde, já depois de teres morrido, avó, encontrei aquele poema que tu escreveste para mim. Foste tu que me apresentaste a nomes como o de Cesário Verde, o de Fernando Pessoa, o de Florbela Espanca - agradeço-te eternamente por isso, avó.
Quanto a ti, avô, agradeço-te a paciência eterna para brincares comigo, o modo como quase me ralhavas quando te sujava o chão todo com giz para jogar à macaca - mas na verdade nunca me ralhavas -, a capacidade para fazeres sempre as minhas comidas preferidas (gemadas com canela ao pequeno-almoço e biscoitos para o lanche). Tinhas a bondade espelhada nos olhos cinzentos, avô, sempre tiveste... Não me esqueço de ti, da tua voz sempre brincalhona nem do teu cabelo dum branco perfeito, nem de como, depois de morreres, avô, acordava à espera de ouvir os teus passos no corredor e eles nunca chegavam, e tu nunca aparecias à porta para ver se eu já estava acordada.
Tenho saudades vossas, avós. Deram-me aquelas que foram as melhores recordações da minha infância, e agradeço-vos por terem partido na altura certa. Hoje, não saberia perder-vos...
Beijinho na careca para ti, avô (lembras-te?), e no alto da cabeça para ti, avó (porque eras pequenina demais para beijos no rosto). Espero que tenham orgulho em mim.
*

-Letter to someone from your childhood

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